sábado, 15 de outubro de 2011

Jornal de Ribeirão Preto (SP) faz relato de 24 horas em um hospital veterinário





Quem passar um dia numa clínica veterinária, definitivamente, aprenderá a respeitar os cães. Se tiver bom coração, irá além, muito além. Pedirá a São Francisco de Assis pela saúde da pinscher Miri, dez anos, de olhar tristonho, como quem está se despedindo da vida.
Vai se emocionar com Kany, uma obediente rottweiler de onze anos que, com suspeita de câncer, teve retirado um tumor de 1,3 quilo e toda a cadeia mamária. Diariamente, ela se submete a um demorado curativo, com a dignidade dos bem-aventurados.
Um bom observador também haverá de se enternecer com a coceira que prostrou Maylon, um vira-lata com traços de nobreza, internado com mais de uma centena de carrapatos.
Ou poderá chorar com o drama de Cuco, um alegre cocker spaniel que teve a perna esquerda amputada. Mas certamente irá também se divertir um pouco com as rosnadas de Negão, uma mistura de dobermann com rotweiller, que mesmo com focinheira de ferro do tamanho de uma tigela, dá muito trabalho para ser medicado.
Ou com a aventura pouco convencional de Lisa, uma vira-lata de três anos, que se apresentou desnorteada e babando. Só depois do susto, é que se soube que ela tinha se metido com um sapo.
E, principalmente, haverá de se indignar com pessoas que mostram desejo explícito de se livrar do seu animal, por motivos fúteis, como idade avançada ou doença que ainda pode ser controlada. Elas chegam e, simplesmente, propõem o sacrifício. Não é o caso das sérias, mas clínicas em busca do lucro fácil aceitam.
O caso de Miri
Miri, uma pinscher de dez anos, aguarda o atendimento no colo de sua dona, Neusa de Araújo. Seu olhar parece distante e triste, como se estivesse desistindo do mundo.
Miri tem uma forte infecção, que não obstante vários exames, ainda não foi identificada. Isso é um mau sinal.
Um cão, em estado normal, possui 17 mil leucócitos. Os exames detectaram mais de 58 mil em Miri. Agora, a veterinária Fernanda Fachin está combatendo a febre de Miri, que anda com o apetite caprichoso (comendo pouco). Ela sofreu um princípio de convulsão na mesa, prontamente debelado.
Ela vai receber glicose e complexo B e receberá protetor gástrico. As despesas com o pequeno animal de 5,4 quilos já bateram nos R$ 300 e faltam ainda novos e caros exames.
O maior receio da veterinária é que a metástase tenha tomado conta das pernas de Miri, que há oito meses retirou um tumor canceroso. O resultado dos exames restantes será conhecido nesta semana. O destino de Miri, também.
O caso de Maylon
Mesmo derrubado em razão de um ataque de mais de uma centena de vorazes carrapatos, Maylon ainda exibe seus encantos. Vira-lata de origem, tem ares de nobreza. Seu nome é o mesmo do cachorro do Maskara (Jim Carrey). Na verdade, Maylon lembra um pouco o homônimo famoso. Mas, infelizmete, não foram apenas os carrapatos que derrubaram Maylon. O veterinário João Luiz Camacho descobriu também uma cinomose, doença viral. Por isso, Maylon continua internado. A família já está combatendo os carrapatos no quintal, usando piretroide e butox.
"A doença do carrapato debilita e pode matar o cão. Os ataques são mais frequentes no verão. É preciso vistoriar, diariamente, os pelos do animal. Quem tiver gramado, deve usar drogas específicas", diz Camacho.
Caso à parte
Carrapato também é o drama de Negão. Há nove anos, no Tanquinho, zona Norte de Ribeirão Preto, o vizinho do calheiro José Gonçalves da Silva partiu de mudança. Deixou um colchão velho, algumas cadeiras quebradas, uma mesa imprestável e um cachorrinho preto, mirrado, magricela, com poucos meses de vida. Então, dona Fátima, penalizada, convenceu o marido a recolher "Neguinho", que perambulava desnorteado pelas ruas. Ele ia ser o companheiro de Lila, jovem mestiça de pastor alemão com fila, já com um ano.
Na verdade, Neguinho é um mestiço de rottweiler com doberman, essas misturas que ocorrem nas periferias das grandes cidades. Com o tempo, virou Negão, 33,5 quilos e 15 quilos de ração por mês.
"Ele me enganou. Achei que fosse um vira-latinha", explica dona Fátima.
Na clínica
Dona Fátima não sabe o que aconteceu, como foi deixar juntar carrapatos em casa, a ponto de comprometer a saúde de Negão. Mesmo porque, Lila está bem, os bichos que chupam sangue não chegaram até ela.
"Estou triste. Mas já limpei a casa toda e o quintal. Passei bastante remédio, diz dona Fátima.
Meio grogue com o ataque dos carrapatos, Negão não ofereceu resistência ao chegar. Foi devidamente medicado com soro, antibiótico, antitérmico, protetor hepático e gástrico.
Uma hora depois, o soro fez efeito, Negão recuperou as forças e se pôs de pé. Ainda bem que tinham colocado focinheira de ferro, bem reforçada. Mesmo com uma espécie de "tigela" no nariz, Negão irritou-se, queria morder e não deu mais sossego. José Gonçalves tinha que segurar forte a coleira. Mas, quando enfezava, Negão, com um impulso, desalojava o dono da cadeira.
Foi necessário um tranquilizante para Negão se acalmar. Só assim retiraram a sonda de sua perna esquerda. Depois de descansar mais meia hora, Negão foi liberado. Tiraram a focinheira e ele recuperou a tranquilidade.
"É um bom cachorro, não ataca ninguém", diz dona Fátima.
Os gastos veterinários - o cachorro vai continuar em tratamento por mais 21 dias - vão superar os R$ 800. Mas quando Negão chegou à calçada, o dono a puxá-lo pela coleira, instalou-se nos lábios de José Gonçalves um sorriso que dinheiro nenhum seria capaz de comprar.
Blog do Johnnyon

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