Blog do Johnnyon
sexta-feira, 27 de janeiro de 2012
Mocinha: uma égua guerreira
São pequenas as chances de um cavalo nascer e chegar
à fase adulta com apenas três patas.
CRÉDITO: Juraci Magalhães de Souza/Arquivo Pessoal
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Carta com a resposta da Presidência. Crédito: Reprodução
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Há mais ou menos três anos, Cláudio Lages da Silva não
imaginava que “Mocinha” entrasse em sua vida e a mudasse tão radicalmente. A
história, que se desenrola em Botuporã, cidade com pouco mais de 11 mil
habitantes no centro-oeste baiano, é sobre o nascimento de uma potra com uma
deficiência congênita rara, que fez com que um dos seus membros dianteiros não
se desenvolvesse. A chance de um animal nascer e chegar à fase adulta com esse
problema é praticamente um milagre, uma em milhões.
Pior, em um lugar onde quase não há assistência veterinária,
nascer dessa forma pode ser uma sentença à morte. Normalmente, principalmente
no Nordeste, os cavalos são usados como animais de trabalho e sem essa função –
além de precisar de muitos cuidados – o dono não via uma utilidade ou a chance
de ela sobreviver. Mas essa não era a opinião de Cláudio que, ao ficar sabendo
que o destino de “Mocinha” estava traçado, pediu ao dono para doá-la, já que
ele gostava de animais e não aceitava que um bicho devia ser condenado à morte
porque nasceu com uma deficiência.
Ele conseguiu levá-la, mas essa pequena égua ainda teria
mais sofrimento pela frente. Sua mãe, colocada para trabalhar dias depois da
cria, sofreu uma hemorragia e não resistiu. Sem o leite materno as chances da
potra diminuíam sensivelmente, mas Claudio teve fé: “Eu colocava leite de vaca
em uma bacia e dava para ela duas vezes ao dia. Cuidei como se fosse uma
criança, com muito carinho. Acho que ela sabia disso”, afirma. De fato, a
atitude dele fez a diferença, já que talvez com a mãe a potra não tivesse a
mesma chance. “Existe uma lei natural de sobrevivência dos mais fortes na
natureza. Com a mãe ela não teria essa assistência que precisava e talvez não a
acompanharia para mamar. A atitude a salvou”, explica o veterinário Carlos
Alberto Hussni, professor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da
Unesp de Botucatu.
O tempo passou, a potra começou a crescer e a se adaptar
àquela situação física, mas as dificuldades eram grandes. Claudio dependia de um mangue de um amigo
para deixar “Mocinha” e seus recursos financeiros vêm de uma pequena
aposentadoria, que também mantém a família e os outros animais. Mesmo assim ela
não foi deixada para trás. “Ele é conhecido pelo seu amor aos animais. Sempre
ajuda os bichinhos, principalmente aqueles que ninguém quer, por estarem
doentes ou judiados”, explica Juraci Magalhães de Souza, amigo do aposentado.
Para dar uma vida melhor a “Mocinha”, porém, seria preciso
espaço adequado e sua chance era pedir ajuda a quem realmente poderia fazer
algo, ninguém mais do que o ex-presidente Lula. “Na época ele era presidente e
escrevi contando a história dela. Como ele é do Nordeste achei que entenderia.
Pedi a sua ajuda para arrumar um pedaço de terra para que eu pudesse ter e dar
uma vida digna a ela. E ele me respondeu.” Em 2009, a correspondência foi
respondida pelo diretor de Documentação Histórica, Claudio Soares Rocha,
informando que o caso tinha sido encaminhado para o Ministério de
Desenvolvimento Agrário, e por lá ficou.
Para o aposentado as coisas se complicavam mais conforme o
tempo passava. Um problema de saúde – derrame, segundo ele – prejudicou sua
memória. Aos 70 anos, sua preocupação é de que algo lhe aconteça e que
“Mocinha” seja sacrificada. Debilitado e com a idade avançada, ele deseja
voltar à sua terra natal, Alagoas, mas apenas depois de encontrar um lar para
ela. “Sei o que costumam fazer nesses casos e não gostaria que Mocinha
morresse. Muitos matam cavalos para alimentar outros bichos”, afirma.
Claudio não entende nada de tecnologia, tampouco de redes
sociais, mas sabe que a internet é uma ferramenta de grande alcance e que seria
um meio de divulgar sua angústia, levando para longe o caso da égua. “Quem sabe
achamos alguém que possa ficar com ela, que a crie como ela é e não deixe
ninguém maltratá-la.” E foi com a ajuda do amigo Juraci que “Mocinha” ficou
famosa e entrou para o mundo virtual. Um vídeo foi feito e colocado no YouTube
e muitos se emocionaram e querem ajudar a achar um lar para a égua especial – o
filme já registra mais de 21 mil acessos.
Graças às redes sociais, eis que surge uma das interessadas
em ficar com o animal – pelo menos de forma provisória – e que tem perfil
adequado. Magali Caravaggi é veterinária e mora em Osasco. Trabalhou um tempo
com equinos e até tem um cavalo em um haras no interior de São Paulo. Ela quer
ajudar o aposentado a arrumar alguém em São Paulo, mas o problema está
justamente no transporte do animal. Além das dificuldades em obter a
documentação e do alto custo do translado, o transporte é de grande risco à
saúde da potra, por causa da sua deficiência. “Já enviamos um kit para extrair
o sangue e até conseguimos um laboratório na Bahia para realizar os exames
exigidos para o transporte, mas, para você entender a dificuldade, ainda não
conseguimos nem um veterinário próximo da cidade onde eles moram para coletar o
sangue”, explica.
Já em relação ao veículo para trazê-la, a tentativa é
arrumar um caminhão apropriado, mas as despesas são altas. “Nossa dificuldade é
grande porque o ideal é que ela venha sem outros animais no mesmo caminhão, o
que encarece o transporte. Fica em torno de R$ 6 mil apenas o transporte, mas a
viagem é estressante para a égua. O certo era ela vir bem apoiada e com paradas
planejadas. Além disso, seria preciso vir com ela um veterinário e o senhor
Claudio, caso contrário a chance de ela morrer na viagem é muito alta, uns
50%.”
Ainda segundo ela, a égua precisaria ficar em um haras
adequado, com clínica especializada, se possível. “Estou tentando alguns haras
para ela ficar, mas gostaria que fosse encaminhada para onde está o meu cavalo,
que é um lugar que conheço e tem estrutura.”
A verdade é que
Magali gostaria muito de ajudar, mas sabe que para o animal o melhor
seria ficar na região onde está, sob os
cuidados de alguém que realmente a queira assim. “Estamos vendo a possibilidade
de ela vir para São Paulo, mas se houver um fazendeiro ou alguém que tenha
espaço e goste de animais para cuidar bem, seria melhor.”
Certamente, esta história poderia vir de um livro ou da
ficção dos cinemas, mas é a realidade. Atitudes de compaixão, dedicação,
carinho e respeito ao ser vivo talvez sejam apenas algumas das formas de
expressar, como esse senhor do sertão da Bahia demonstra, a verdadeira
consciência e entendimento do que é a evolução humana e o amor incondicional à
vida, livre de preconceitos. E quem sabe haja a esperança de que esta notícia
vá além e possa trazer um final feliz, como nos contos mais belos.
Para ajudar:
Cláudio Lages da Silva – (77) 9142-7262
Magali Caravaggi – (11) 9222-2848
Fonte: Estadão
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