domingo, 8 de janeiro de 2012

1 ano depois da tragédia no RJ, dona Ilair diz que se tivesse um pedido, era de ter o cão de volta



Dia 12 completa um ano da tragédia na região Serrana do RJ. Veja a matéria do jornal O Globo com dona Ilair, que tentou salvar o seu cachorrinho e que quase 3 meses depois adotou uma cachorrinha:


Reveja o vídeo de janeiro do ano passado:

RIO - "Fiz 54 anos em dezembro e vou fazer 1 ano (de idade) em 12 de janeiro". Dona Ilair Pereira de Souza seria só mais uma moradora da Região Serrana que teve a vida dividida entre antes e depois da chuva, não tivesse protagonizado o resgate mais impressionante da tragédia de janeiro do ano passado. Agarrada a uma corda e com o cachorrinho de estimação nos braços, ela foi içada até o terraço de um prédio de dez metros de altura por cinco vizinhos, depois de passar oito horas sobre uma mesa na laje de uma casa. Segundos depois de ser puxada, a construção onde estava desabou sob a força das águas, que transformaram a rua principal de São José do Vale do Rio Preto numa pororoca.
Visivelmente, o physique du rôle de dona Ilair é incompatível com a força necessária para sustentar, à unha, os 55kg de seu corpo. Além do argumento de que o instinto de sobrevivência nos torna capaz de realizar epopeias, ela desenvolveu uma técnica para transformar a tentativa improvisada de salvamento num resgate perfeito.
— Os meninos jogaram a corda e mandaram que eu amarrasse na cintura. E eu lá sei amarrar corda? Agarrei forte e, enquanto eles puxavam, espremia a corda para sair a água e não escorregar — lembra ela, que conseguiu superar a forte correnteza do rio.
O comerciante Gilberto Branco, de 24 anos, foi um dos que içaram a dona de casa:
— Deitei no chão, escorei os pés na parede e fiz força. Quando conseguimos, foi um alívio. Em estado de choque, ela só perguntava pelos filhos.
A prole da dona de casa, Alessandro de Souza Costa, de 28 anos, e Sandro José de Souza Costa, de 18, não sofreu nada. O mais velho estava trabalhando, longe dali. Sandro foi tirar as motos da garagem de casa quando a água invadiu o imóvel e o lançou para fora, sem ferimentos. Num ponto seguro, ela passou as horas seguintes rezando pela vida da mãe.
Com exceção da roupa do corpo, que ela ainda usa, o resto foi levado pelas águas. Para Ilair, das perdas irreparáveis, a maior é Beethoven, o cãozinho. Ela tentou segurá-lo e só o largou, também instintivamente, ao levar uma mordida.
— Quando pulei, agarrada na corda, ele cravou os dentinhos em mim. Eu ainda falei: "Isso, fica aí, Beethoven". Mas a água o levou — lamenta.
Dona Ilair canalizou todos os efeitos da tragédia na morte de Beethoven. Ela fala com tristeza do desmoronamento de sua casa, do fato de não ter mais fotos de seus filhos, mas o semblante e a voz só mudam quando o assunto é o cachorro:
— Se eu tivesse um pedido, seria tê-lo de volta.
Ao contrário de boa parte dos seus conterrâneos, dona Ilair tem hoje um teto. Em abril, o apresentador Luciano Huck entregou um imóvel de dois quartos para ela, no quadro "Lar, Doce Lar", do programa "Caldeirão do Huck". Ela diz que deve muito a Deus e a Huck. Não esconde, porém, que, se pudesse, voltaria a viver no mesmo local de onde foi resgatada, na beira do rio, a cerca de 1km da atual moradia, no bairro de Jaguara.
— Eu nasci, fui criada e criei meus filhos lá. Meus parentes moram lá. Aqui é muito quieto, não tem movimento. Lá, não, é gritaria, gente na rua, briga de casal... Muito mais agitado. — admite, explicando que só não volta por princípio ético. — Eu já tive proposta para vender a casa, inclusive do cara que a vendeu para a Globo. Mas não passo adiante o que ganhei.
Passado um ano da chuva, dona Ilair alterna frases bem-humoradas, piadas impublicáveis e gargalhadas com inevitáveis recordações de 12 de janeiro.
— Sempre levei a vida assim, brincando, caçoando de tudo. Mas eu sonho com a enchente toda hora. Sonho que estou segurando a corda e tentando salvar meu bichinho.
No dia 12 de dezembro de 2010, o filho mais velho de Ilair concluiu uma obra na casa onde eles viviam. Pegou um empréstimo no banco, que ainda não foi quitado, para construir uma estrutura que escapasse às inundações. Um mês depois, "não tinha laje, não tinha mais nada", como ela diz. Ainda assim, Ilair dá a entender que as sequelas deixadas pela tragédia ficaram restritas à memória, e que dias de chuva não trazem qualquer receio.
A caminho do lugar onde ficava sua antiga casa, ao lado da do irmão — onde ela se abrigou durante a chuva — dona Ilair comenta tudo o que vê pela janela do carro. Mais uma vez, bom humor e lamentos se revezam:
— Ih, olha lá a casa desse aqui. Só ficou a piscina — aponta, antes de dar uma gargalhada e, em seguida, completar. — Isso é muito triste, gente.

A última cesta básica, com produtos vencidos
Antes de chegar ao destino combinado, ela pergunta se pode passar no ginásio onde são distribuídas cestas básicas aos moradores atingidos pelo temporal. O portão está fechado. Depois de alguns socos na porta, um funcionário aparece. Ela entra, pega sua cesta e é informada de que aquela era a última. O benefício seria suspenso a partir deste mês. Dentro do ginásio, alimentos e produtos de higiene pessoal ficavam empilhados no chão e nas arquibancadas. Muitos, como macarrão e leite em pó, já estavam com validade vencida.
Entre os planos para este ano estão arranjar um emprego e chegar a 2013 ainda melhor do que estará neste dia 12, quando completará seu primeiro ano de vida nova:
— Quero comprar as coisas que perdi: batedeira, cafeteira, espremedor.


Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/serra/dona-ilair-pegou-destino-no-laco-3594567#ixzz1irz4tqvb
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